E Depois?
Depois foi o que se viu,
Muita alegria, abraços, beijos mil,
A tropa de densa grenha
Lança as sementes de Abril.
Nas escolas,
Nas cidades, nos campos, em todas as terreolas,
As campanhas militares já não eram belicosas.
Não havia canhões, nem baionetas, nem bastões,
Eram todos soldados, rasos, sem galões,
Irmanados pelos mesmos ideais
Nas Campanhas de Dinamização Cultural
Que empreenderam,
Actos heróicos, novos feitos que nem todos compreenderam.
Paz, pão, habitação,
Saúde, educação,
Tudo foi conquistado sem um engulho.
A arca estava cheia, foi só abrir o ferrolho,
Um fartar vilanagem, que era chegada a hora
Da ladroagem.
E quando o celeiro exauriu
A providência divina sorriu.
Vem a deusa Europa, rica, eivada de magnanimidade
Distribuir subsídios e apoios com grande generosidade.
A palavra de ordem foi a formação
Grande chuchadeira para quem investiu nessa acção.
Fiquem descansados que há muito para dar.
Para se viver bem nem é preciso trabalhar.
E agora? Dizem os nossos governantes.
Agora é apertar as cilhas
Que as vacas gordas já foram engolidas.
Vão trabalhar seus malandros
Que estamos fartos de vos ver por estes meandros
À espera de tachos, benesses e outros escafandros.
Por este andar
Não sei onde isto vai parar.
O espírito de Abril está muito denegrido
Já há quem clame por Salazar.
Pobres saudosistas e outros empedernidos
Que não sabem do que estão a falar.O meu tio Paulino
Apenas o recordo pelo lado negativo. Sofria de epilepsia mas não sabíamos a designação correcta da doença e todos lhe chamavam “o mal”.
Periodicamente era acometido de ataques brutais que o deixavam completamente transfigurado. Nos intervalos fazia a sua vida normal e colaborava nas lides habituais.
Num dia de Inverno andava a pastorear as vacas no Carrameijal e aproximou-se da fogueira de um carvoeiro para se aquecer e secar a roupa molhada. Foi acometido do “mal” e caiu à cova incandescente sofrendo queimaduras que ditaram a sua morte prematura.
Não foi transportado para uma Unidade de Queimados, nem ao Hospital, nem ao Centro de Saúde. Ficou em casa, durante muitos dias, com as extensas queimaduras a infectar e a pele a apodrecer e a colar-se irresistivelmente às roupas da cama…Quantas dores não teria suportado…
Assim se morria naquele tempo…
O Ti António Freixinho
Era um particular amigo de meu Pai e nosso vizinho.
Conheci-o já com idade bastante avançada e recordo especialmente o seu fiel amigo “Jau” que morreu de velhice debaixo do velho loureiro que lhe servia de abrigo.
Possuía um património extenso e valiosíssimo mas não tinha condições físicas para o governar e, por isso, tinha que confiar a exploração dos seus bens a terceiros, contentando-se com as “meias”, que nem sempre o seriam, da produção anual das suas propriedades.
Andava apoiado em duas muletas, devido a uma antiga doença que o deixou entrevado, o que lhe dificultava imenso a locomoção mas, mesmo assim, não se eximia a percorrer alguns quilómetros para ir vigiar a vinha ao Barral, ou participar das esfolhadas, ou verificar como decorriam os trabalhos sazonais em que se procedia às sementeiras e às colheitas.
Alguém o convenceu a adquirir um triciclo para se locomover mas a experiência resultou num tremendo fracasso por várias razões, a mais importante relacionada com a falta de vias de comunicação adequadas. Além disso, precisava sempre da ajuda de várias pessoas para o ajudarem a sentar e a iniciar a marcha, apear e arrumar o veículo que ainda serviu para provocar algum espalhafato e alguns incidentes hilariantes.
Não tinha herdeiros legítimos e, quando a morte o surpreendeu sem estar a contar com isso, os seus bens foram disputados avidamente por parentes afastados, outros meeiros e pela igreja, liderada pelo célebre Padre Bernardo que não desperdiçava qualquer oportunidade para incrementar os bens da fábrica paroquial. A Ti Ana, que lhe sobreviveu por pouco tempo, nada pôde fazer para evitar a pilhagem desenfreada que recaiu sobre os bens do casal e mal assinou o testamento foi juntar-se ao marido.
A sua “biblioteca” detinha um espólio que julgo ser importante, pela cobiça que despertou no Padre que açambarcou tudo, ou quase tudo porque meu Pai foi contemplado com uma pequena enciclopédia - O Mundo na Mão - da qual eu absorvi muitos dos conhecimentos que serviram para orientar a minha vida.
Recebia periodicamente o catálogo das publicações de uma famosa e antiga editora do Porto, o que revela a importância que a cultura representava para ele.
Era rico mas a sua vida foi uma miséria e o final ainda foi mais triste…
O João do Carvalho
Era muito conhecido na terra e nas redondezas. Foi pedreiro, agricultor, emigrante, mestre de mil e um ofícios.
Também foi Pai de uma imensa prole, apesar de se decidir tardiamente pelo estabelecimento dos laços matrimoniais.
Era um Homem de carácter, norteando sempre os seus actos pelo farol da consciência, segundo a velha máxima “não fazer aos outros o que não quisermos que nos façam a nós”.
Não possuía habilitações académicas mas era detentor de uma cultura vastíssima, adquirida através da experiência e da leitura de tudo que lhe fosse parar à mão.
Fisicamente era um homem mediano, mais para o franzino, seco de carnes mas de uma fibra a condizer com o roble de que adquiriu o nome, embora este não lhe adviesse da árvore mas do sítio onde nasceu e onde viveram os seus pais.
O seu maior orgulho eram as cartas que recebia dos filhos espalhados por diversos continentes e que lia e relia extremamente embevecido.
O meu incontido orgulho transbordava quando alguém das aldeias vizinhas adivinhava nas minhas feições as características físicas do João do Carvalho.
João Manuel Esteves Eira-Velha, o João do Carvalho, era meu Pai.
Do autor
Velhos conhecidos
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