Foi designada "Banda de Música de Santa Cecília" mas ficou conhecida em todo o Alto Minho pela "Música de Cavenca".
Foi formada por um homem genial, que o acaso, ou talvez não, levou até àquele lugar do "Fim do Mundo", o Padre Bernardino.
O Padre Bernardino era um refugiado galego que nunca se chegou a saber ao certo por que razão ali procurou guarida e ali viveu durante muitos anos até que desapareceu do mesmo modo como tinha aparecido. Constou-se que, durante uma das escassas visitas que fez à terra natal, teria sido assassinado...
Porém, enquanto permaneceu em Cavenca, exerceu um apostolado exemplar e conquistou o carinho daquela humilde gente, mas onde mais se destacou foi na obra social que desenvolveu, operando autênticos milagres com os parcos recursos de que podia dispor.
O expoente máximo dessa obra social foi a criação da Banda de Música, que espalhou os seus estridentes sons por todo o Alto Minho e até no Sul da Galiza.
Era um grupo de artistas peculiar, formado de audaciosos trabalhadores rurais, que alternavam as artes de carpintaria, pedreiros, serradores, tamanqueiros e outros ofícios, com o rude e esforçado trabalho do campo.
A maioria não sabia ler nem escrever e, de música, "tinham" apenas a que lhes vinha do coração. Para acompanhar o ritmo, os andamentos e as variações das pautas, eram "tudo olhos" para o maestro, que os conduzia um a um com uma perícia ímpar e ouvido atento a tudo o que soava em redor.
Percorriam, a pé, enormes distâncias, fardados "a rigor", de tamancos ferrados nos pés e algumas palhas de feno teimosamente agarradas à farpela, com os artefactos às costas, para em dias de festa encantarem as populações, que aplaudiam e dançavam ao som dos números musicais que a banda lhes dedicava. E quando desfilavam pelas ruas das vilas e aldeias, com garbo e altivez, era quase tanto o barulho dos tamancos nas pedras da calçada como o produzido pelos reluzentes e sonoros instrumentos musicais.
Já toda a gente conhecia o escasso repertório, que era preciso repetir vezes sem conta, e cantarolava as suas melodias. Mas era um gozo extraordinário ouvir a "Música" e uma Festa sem ela mais parecia um velório.
A Música perdurou por muito tempo, mesmo depois do misterioso desaparecimento do Padre Bernardino, e aquela arte, ao tempo exclusiva dos homens, passou de pais para filhos, até que a guerra e o forte fluxo migratório para o estrangeiro fizeram minguar drasticamente os recursos humanos, a ponto de ficar reduzida a pouco mais de uma dúzia de elementos.
Contudo, o mesmo mal afectou a Banda Popular de Riba de Mouro, juntaram-se as duas e, durante mais algum tempo, continuaram a abrilhantar as festas e romarias populares.
Foi há cerca de sete ou oito anos que se extinguiu definitivamente, não tanto por falta de recursos, quer materiais, quer humanos, que esses voltaram a incrementar-se nos últimos anos, mas por falta de liderança e de sensibilidade para gerir uma agremiação que poderia ser um polo dinamizador de cultura e de ocupação de tempos livres para os jovens, numa terra com potencial bastante mas sem capacidade para aproveitá-lo.
E é pena!
Coimbra, 21 de Janeiro de 2002
A Rosalina1 era uma rapariga jovem e robusta que, como qualquer moça da sua idade e na pujança da vida, gostava de se divertir e de namorar.
Por isso, não desperdiçava os escassos eventos que ocorriam sazonalmente, as festas feiras e romarias nos longos e quentes dias de verão, os serões nas longas e frias noites de inverno.
Todos os rapazes a cortejavam e lhe arrastavam a asa, enquanto as outras raparigas se roíam de inveja.
Naquela noite gélida de inverno, realizava-se na sua aldeia, em S. Miguel, mais uma das célebres fiadas. Era um dos serões típicos da região, em que se reuniam todas as raparigas do lugar num espaço o mais amplo possível, acompanhadas pelas mães, pois claro, e ao qual assistiam, convidados ou não, os rapazes das redondezas. E enquanto as raparigas fiavam e namoriscavam, bem à vista de todo o mundo, os rapazes exibiam-se cantando ao desafio, acompanhados pelo estridente som da concertina.
O serão decorria de forma entusiástica e era visível a animação e a alegria de todos os jovens ali presentes, destacando-se a Rosalina, como de costume, pelo brilho que emanava dos seus fogosos olhos e pela lascívia que despertava o seu fabuloso busto, que parecia querer romper as costuras do colorido corpete que o sustentava.
Subitamente, chegou do exterior o som de um canto argentino e arrebatador, que fez silenciar todos os presentes:
Menina de entre as meninas
Eu não sei qual delas é.
Mandou-me aqui não sei quem
Para ir ali, não sei aonde é.
No meio do silêncio geral, as raparigas entreolharam-se intrigadas e curiosas. Então, a Rosalina, desembaraçada como sempre e antecipando-se às demais, levantou-se e exclamou: sou eu! Dito isto, saiu apressadamente do amplo salão e perdeu-se na escuridão da negra noite.
Nunca mais foi vista a Rosalina!
Quando toda a gente se apercebeu de que a Rosalina não regressava, saíram à sua procura com fachos e lanternas, procurando em vão por becos e veredas.
Houve quem ouvisse gritos de pedido de socorro pelo monte acima, a caminho da Pegada. Seguiram no encalço daquela pista, pela negra escuridão, mas quando chegaram à Pegada ouviram gritos em Salgueirão, em Salgueirão ouviram os mesmos gritos para lá de Fonte Boa.
Desistiram. No dia seguinte alguém seguiu a pista até Santo António de Val de Poldros, onde se diz terem visto sangue junto de uma pequena e isolada casa da pacata veranda.
Há quem afirme que, ainda hoje, em determinada noite de inverno, o espírito da Rosalina percorre aquele itinerário, debalde clamando por socorro, e o seu lamento só desaparece junto da velha casa que nunca mais foi habitada.
Coimbra, 08 de Novembro de 2001
1 O nome é fictício. Na versão que eu ouvia em pequenino, a protagonista desta história não tinha nome próprio.
Vendo-os assim tão pertinho,
A Galiza mai-lo Minho,
São como dois namorados
Que o rio traz separados
Quasi desde o nascimento.
Deixá-los pois namorar,
Já que os pais para casar
Lhes não dão consentimento.
João Verde In "Verde Raia"
Amigos, cento e dez, ou talvez mais
Eu já contei. Vaidades que sentia:
Supus que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais.
Amigos, cento e dez, tão serviçais
Tão zelosos das leis da cortesia,
Que já farto de os ver me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.
Um dia adoeci profundamente.
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.
- Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se está cego não nos pode ver!...
- Que cento e nove impávidos marotos.
Camilo Castelo Branco
Um dia triste, este.
Triste por ser cinzento, triste por ser frio, triste pela chuva que não pára, triste pelo ambiente de consternação que nos rodeia relacionado com a morte daquele desafortunado futebolista, triste porque me deixa triste...
Há dias assim... que se pode fazer?
Cuidado com a gripe dos galináceos...
Há regiões onde lhe chamam o "boi do povo". Na minha aldeia era o "vaqueiro", certamente por ter a nobre missão de cobrir as vacas do lugar e não só, acto sexual que se reputava da maior importância para a parca economia rural.
Era um exemplar fabuloso, da mais apurada raça barrosã, de enormes e afiados chifres, um proeminente cachaço e uns testículos a condizer com o corpanzil bem nutrido, símbolos da sua virilidade e capacidade reprodutora que, semana após semana, rodava pelos fogos da aldeia a quem competia a tarefa e a responsabilidade de prover a sua alimentação, do melhor que havia no palheiro e no celeiro, com doses generosas de feno, de palha e de grão.
Não havia vaca na região, nova ou velha, que não tivesse já sido coberta pelo fogoso germinador que, por mais trabalho que tivesse, nunca recusava a missão embora, por vezes, houvesse que dar uma mãozinha para guiar o enorme vergalho. E as pessoas, homens ou mulheres, velhas ou novas, assistiam divertidas e orgulhosas das capacidades daquele "vaqueiro", cujo desempenho fazia corar os mais jovens e despertava desejos libidinosos, muitas vezes satisfeitos à pressa, de seguida, num qualquer palheiro.
Coimbra, 20 de Outubro 2001
Felicidade é ser
Felicidade é estar
Felicidade é amar
Felicidade é tocar alguém, e sentir e amar e beijar e cheirar e "rasgar" esse alguém até dois serem um
Felicidade é estar só
Felicidade é ouvir o silêncio
Felicidade é perceber o vazio e conseguir tocá-lo
Felicidade é olhar
Felicidade é falar com os olhos
Felicidade é chorar
Felicidade é transmitir no exterior o nosso interior
Felicidade é nascer e não entender a morte
Felicidade é acreditar nos outros apesar de estar só
Felicidade é lutar pela nossa identidade qualquer que ela seja e mostrar aos outros a nossa verdade
Felicidade é lutar pela vida quando a morte nos come partes do corpo
Felicidade é entender que a Terra é um ponto no Universo e nós pensamos
Felicidade é gostar de ser imperfeito num Mundo onde somos mortais
Felicidade é arrepiar-nos com a própria mão
Felicidade é deixarmo-nos levar pelas emoções dos outros
Felicidade é ouvir o Hino Nacional ou uma balada e sentir o sangue quente a correr nas veias
Felicidade é entender que a diferença entre ricos e pobres são adereços
Felicidade é alterar os conceitos
Felicidade é viver a três porque a dois é pouco
Felicidade é dormir a pensar e viver a sonhar
Felicidade é dormir no sofá e comer na cama
Felicidade é transformar a TV num aquário e o carro num banco de jardim e a gravata num guardanapo e o bidé numa floreira e pintar paredes com estrelas do céu e perceber que o nosso mundo é só nosso
Felicidade é ter prazer sem erecção
Felicidade é gritar por amor
Felicidade é chegar ao fim e morrer com alguém ao lado que nos dá a mão e nos fecha as pálpebras com a mesma mão que nos dá calor
Felicidade é tanta coisa e tanta gente pensa que é impossível.
Jorge Oliveira
(in Revista CAIS nº. 59)
Não deixa de ser curiosa a forma como Portugal, os portugueses e os seus governantes são caracterizados no Pravda online.
A verdade é que, apesar das incorrecções sintácticas e erros ortográficos, quase tudo do que ali se diz corresponde à realidade.
E isso é que custa...
A língua é um dos principais factores aglutinadores de uma nação e é, sem dúvida, o elo mais forte da cadeia cultural que liga Portugal e o Brasil.
Além da literatura, desde há muitos anos que diariamente nos confrontamos com a pasagem de telenovelas produzidas no Brasil que em horários nobres invadem as nossas casas com o seu sotaque melodioso e doce, não sendo por isso menos aceites pelo público português.
Agora que produtos análogos produzidos em Portugal começaram a ser exportados para o Brasil, não deixa de ser estranho que os "nossos irmãos" se tenham dado ao trabalho de proceder à dobragem do português (de Portugual) para porrrrtugueissss (do Brasil).
Se Jorge Amado fosse vivo ficaria, certamente, em estado de choque com esta aberração.
Venham mais pedras...
Quantos são... quantos são...
Do autor
Velhos conhecidos
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