Quinta-feira, 31 de Maio de 2007

Personagens da Minha Terra – V

O Nelo da Carma

O Nelo era o barbeiro da terra.

Hipocondríaco e um pouco lunático, discorria sobre os mais variados temas enquanto habilmente esgrimia a tesoura em torno das orelhas dos “clientes”.

A sua habitação, uma parte de uma construção antiga com uma área total de uns quarenta metros quadrados, era ponto de encontro privilegiado só para homens, quer fosse para aguardar a vez para um “caldinho” no cabelo, quer para actualizar as novidades, quer para, simplesmente, fazer um intervalo nas lides diárias.

A porta estava constantemente aberta e, no Inverno, a lareira ficava acesa durante vinte e quatro horas por dia. Ao lado da lareira, uma velha cafeteira tinha sempre pronta a ser servida uma água quente de cor acastanhada, fruto da mistura de café e outros aditivos similares que lhe tinha adicionado.

Além de barbeiro, assobiava como um rouxinol e era um músico exímio, mesmo sem saber ler uma pauta.

Mantinha a família num rigoroso regime de austeridade em tempo de pobreza generalizada e impunha a “disciplina” no seio familiar sob a ameaça do “chicote”, isto é, do cinto das calças, uma forte e encardida correia de couro.

Os filhos cedo abandonaram o lar para terem uma vida melhor em França, sem nunca renegarem o lar, e a mulher, não sei se vive ou não, que nunca vira a vida a sorrir-lhe, também foi para terras gaulesas após enviuvar e, nessa fase, talvez se apercebesse da existência de vida melhor do que sempre tivera…

Era comum, em miúdos, distrairmo-nos na brincadeira em vez de efectuar os trabalhos que explicita ou implicitamente nos competiam. Então, muitas vezes, ouvia-se um sibilante silvo que penetrava nos nossos tímpanos. Não era preciso dizer nada porque o código era bem conhecido e nessas ocasiões havia sempre um elemento do grupo que abandonava célere a brincadeira. Era precisamente o filho do Nelo. Muitas vezes o vimos a fugir à fúria do cinto do pai, chegando a perseguição a prolongar-se por vários quilómetros. O rapaz acabava por dormir em casa de amigos ou nalgum palheiro e só regressava a casa quando a tempestade cedesse lugar à bonança.

Mas o Nelo falava sempre com paixão dos seus tempos da tropa. Recordava o nome do capitão, do tenente, do alferes, do sargento, do cabo, dos camaradas. Lembrava cada episódio do tempo em que envergara a farda e em que a tropa se revestia de uma importância extrema para os jovens do interior por lhes abrir as “portas” do mundo (para muitos, a tropa era a forma de, pela primeira vez, terem acesso a três refeições diárias e um banho digno desse nome…).

Recorri aos seus serviços, como barbeiro, nas vésperas da minha ida para a tropa.

Disse-lhe qual era a finalidade da “tosquia” e ele, conhecedor das exigências da missão, disse-me que ficasse tranquilo que cabelo cortado por ele não necessitava de ser sujeito ao ritual da incorporação, isto é, a tradicional visita à barbearia regimental.

Foi uma “carecada” de meter medo!

Quando me apresentei no Quartel para assentar praça, um cabo que estava na “comissão” de recepção disse-me com ar de gozo: Ainda não chegou o 25 de Abril à tua terra? A uma pergunta não se responde com outra pergunta mas um pouco ferido no meu orgulho não me contive e retorqui: Porquê? — É que já não se usam cortes de cabelo desses…

Não culpei o Nelo pelo “vexame” de que fui alvo mas jurei vingar-me… Enquanto estive na tropa nunca mais fui ao barbeiro!

Sinto-me: Bem
Música: O Barbeiro de Sevilha
Publicado por Eira-Velha às 14:32
Link do post | Comentar | Ver comentários (5) | Adicionar aos favoritos
Quarta-feira, 16 de Maio de 2007

Alentejanando...

Ó rama, ó que linda rama

Ó rama da oliveira

O meu par é o mais lindo

Que anda aqui na roda inteira

Que anda aqui na roda inteira

Aqui e em qualquer lugar

Ó rama, ó que linda rama

Ó rama do olival

 

Eu gosto muito de ouvir

Cantar a quem aprendeu

Se houvera quem me ensinara

Quem aprendia era eu

Ó rama, ó que linda rama...

 

Não me invejo de quem tenha

Carros, parelhas e montes

Tenho inveja de quem bebe

A água em todas as fontes

 

Ó rama, ó que linda rama...

 

Sinto-me: Alentejano
Publicado por Eira-Velha às 14:36
Link do post | Comentar | Ver comentários (4) | Adicionar aos favoritos
Domingo, 13 de Maio de 2007

New Look

Como não percebo patavina de html ou css, esfalfei-me, durante horas e horas, de escopo e martelo em punho a arranjar um novo visual para este espaço.
Cortei daqui, remendei dacolá, experimentei, assustei-me..., recomeçei...
E não é que estou satisfeito com o resultado?
Digam lá que não está uma beleza!
Foi duro mas valeu a pena...
A imagem do cabeçalho foi pirateada da internet, com licença do autor, e esticada para corresponder às dimensões desejadas mas pode-se bem perceber que se trata de um conjunto de cardenhas de Santo António de Val de Poldros, um sítio mágico ainda semi-encoberto lá para as bandas da Serra da Peneda. Realiza-se lá, precisamente daqui a um mês, a festa em honra do santo que lhe dá nome e vale a pena lá ir.
O facto de ainda ser um lugar meio desconhecido só lhe acrescenta valor. Quando se massificar o turismo por aquelas bandas perderá todo o encanto.
Sinto-me: Optimista!
Publicado por Eira-Velha às 10:16
Link do post | Comentar | Ver comentários (2) | Adicionar aos favoritos
Sábado, 12 de Maio de 2007

Senhora da Rosa

É amanhã que se realiza a tradicional festa da Senhora da Rosa, em Monção.
É linda, num cenário lindo. Pena que as obras em curso não vão permirtir  ver  todas as ruas como esta
 

Ou esta

Com licença de Falcão do Minho
Publicado por Eira-Velha às 10:03
Link do post | Comentar | Adicionar aos favoritos
Segunda-feira, 7 de Maio de 2007

Personagens da Minha Terra - IV

O Valdemiro

 

Era ainda jovem, talvez uma dúzia de anos mais velho do que eu. Vagueava pelo lugar e pelos campos sem destino, quase sempre seminu.

Gostava de socializar connosco, os mais novos. Aproximava-se sempre com um sorriso estúpido, a babar-se, e ali ficava, sem outro objectivo que não fosse, simplesmente, estar ali.

Morava com a mãe e os irmãos no sítio designado Cômoro e era certo que à hora das parcas refeições aparecia em casa.

Um dia não regressou, nem no outro, nem no outro… Em vão foi procurado pelo lugar e pelas aldeias circunvizinhas.

Uma tarde ouviu-se um chamamento vigoroso vindo das encostas da Fraga que ressoava lugubremente pelo estreito vale…

Tragam lençóis que apareceu o Valdemiro morto! ... … … …

Alguém tinha encontrado o corpo do desditoso jovem na serra, no sítio de Chão da Lama, diziam que estava de bruços, com a boca cheia de ervas, certamente por ter tentado em vão alimentar-se como os animais…

Ainda tentaram transportá-lo para o Lugar para evitar as sempre inconvenientes formalidades legais. Mas o sítio em que apareceu morto já se situava no termo da Gave, concelho de Melgaço e alguém avisou que era imprudente proceder à revelia das autoridades.

Não voltou para Cavenca.

Na Gave acolheram-no como se fosse um desígnio superior e deram-lhe guarida no espaço reservado aos seus mortos.

Enquanto pôde, a Tia Maria do Chico lá ia colocar umas singelas flores e rezar umas orações… como se ele precisasse…

Publicado por Eira-Velha às 09:51
Link do post | Comentar | Ver comentários (2) | Adicionar aos favoritos
Terça-feira, 1 de Maio de 2007

As Maias de Maio

É costume na minha terra, é tradição, colocar ramos de giesta em flor, as maias, nas portas e janelas das casas. São lindas, tenras, amarelas, frescas e perfumadas. Lembram o tempo das sementeiras, intensa actividade reprodutora, promessas de abundância...
Qual o significado?
Eu não sei e também não vou divagar sobre isso.
Em Trás-os-Montes também assim se fazia, diziam que era para não entrar o burro...
Publicado por Eira-Velha às 09:22
Link do post | Comentar | Ver comentários (4) | Adicionar aos favoritos

Cantigas de Maio

Eu fui ver a minha amada
Lá p'rós baixos dum jardim
Dei-lhe uma rosa encarnada
Para se lembrar de mim


Eu fui ver o meu benzinho
Lá p'rós lados dum passal
Dei-lhe o meu lenço de linho
Que é do mais fino bragal


Eu fui ver uma donzela
Numa barquinha a dormir
Dei-lhe uma colcha de seda
Para nela se cobrir


Eu fui ver uma solteira
Numa salinha a fiar
Dei-lhe uma rosa vermelha
Para de mim se escantar


Eu fui ver a minha amada
Lá nos campos eu fui ver
Dei-lhe uma rosa encarnada
Para de mim se prender


Verdes prados, verdes campos
Onde está minha paixão
As andorinhas não param
Umas voltam outras não


Refrão:
Minha mãe quando eu morrer
Ai chore por quem muito amargou
Para então dizer ao mundo
Ai Deus mo deu Ai Deus mo levou

Zeca Afonso
Publicado por Eira-Velha às 09:13
Link do post | Comentar | Ver comentários (2) | Adicionar aos favoritos

Mais sobre mim

Pesquisar neste blog

 

Outubro 2011

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

Posts recentes

Vale do Tua - Uma paisage...

Momentos...

Antes que seja tarde dema...

Cá se vai andando...

Inverno

Fruta da Época

Cidadania

Novas Construções

Fátima - Uma questão de F...

Around the World "Don't W...

Arquivos

Outubro 2011

Julho 2011

Dezembro 2010

Março 2010

Janeiro 2010

Novembro 2009

Julho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Outubro 2005

Julho 2005

Maio 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Março 2004

Fevereiro 2004

Janeiro 2004

tags

todas as tags

Laços

SAPO Blogs

subscrever feeds